Uma revolução acontece no mundo das finanças. O avanço tecnológico, novos conceitos e modelos de negócios vêm obrigando o segmento a mudar aceleradamente.
Seja por conta do surgimento de fintechs inovadoras que trazem serviços rivais ou complementares aos dos bancos tradicionais, e que baseiam as suas ofertas em apps e em mobile banking.
Seja pela tendência mais geral de digital banking, que torna os canais digitais o principal ponto de contato com o cliente, em vez das agências físicas. Seja pelo connected banking, que integra aplicativos e serviços, inclusive de instituições diferentes, numa mesma base de oferta proativa, graças a toda uma nova arquitetura tecnológica.
Seja por conta do open banking, conceito que será regulamentado este ano no Brasil e que prevê que os bancos sejam obrigados a liberar de forma padronizada os seus dados.
Dessa forma, desde informações como os detalhes de seus produtos financeiros até dados transacionais dos clientes, ficarão disponíveis para serem compartilhados online entre instituições autorizadas, que podem inclusive ser fintechs, incentivando uma maior concorrência no setor.
Tudo isso só se tornou possível pela disseminação dos smartphones, de conexões móveis mais rápidas e de plataformas abertas (open source) de sistema operacional e de software, que são mais alinhadas com as novas necessidades das prestadoras de serviços financeiros.
Espectador privilegiado dessa revolução e grande especialista em novas tecnologias bancárias, Alessandro Petroni, diretor global de financial services da Red Hat, explica como esses conceitos se integram: “Há muitos termos circulando, mas todos eles de alguma forma se conectam e mostram diferentes aspectos da inovação no setor”, diz.
Fundada em 1993, a americana Red Hat é a principal prestadora de software, serviços e suporte para plataformas abertas Linux, e foi recentemente adquirida pela IBM.
Mas como tudo isso funciona?
No conceito de open banking, os dados abertos pelas instituições trafegam por meio de APIs (sigla para application program interface), a tecnologia utilizada para mover os dados.
Com essas informações sobre o próprio banco e os seus clientes disponíveis para terceiros, torna-se possível, por exemplo, a criação de um aplicativo que unifique no mesmo local todas as informações sobre as diferentes contas bancárias de um consumidor.
Outra possibilidade será permitir que, num único aplicativo, o cliente escolha entre produtos de bancos diferentes. “No passado, se desejasse fazer um empréstimo para comprar uma casa, o cliente teria de entrar no site de cada banco. Agora, poderá acessar um só local com informações completas de prazos e taxas de diferentes instituições”, explica Petroni. “Não importa de onde vem o empréstimo, mas que exista uma boa experiência de compra e de ofertas de serviços”.
É a mesma lógica do cliente que prefere comprar um bilhete aéreo de uma plataforma como a Expedia, em vez de entrar em site por site de companhias de aviação, para escolher a melhor oferta.
Um exemplo do potencial dessa nova abordagem foi dado pela Quiken Loans, uma empresa de Detroit, que criou em 2016 o site Rocket Mortgage, combinando ofertas de diversas instituições. Em menos de dois anos, a inovação tornou a Quiken na maior companhia do varejo de crédito imobiliário dos EUA.
Paulo Bonucci, general manager LATAM da Red Hat, reforça que as movimentações digitais dos serviços financeiros são extremamente positivas para a América Latina. “De acordo com dados do Banco Mundial, 205 milhões de pessoas na região (43% da população adulta) estão excluídas da economia formal. Deste total, 54 milhões não podem utilizar a economia formal porque precisam de identidade financeira, algo muito complexo de ser atendido com a tecnologia legada. Conectividade, interação e tecnologias emergentes abrem um universo sem precedentes que permite inserir todas essas pessoas na economia de uma maneira sustentável para elas e para todo o ecossistema”, afirma.
Como o open banking vem sendo requerido por lei na União Europeia e no Reino Unido e a partir deste ano no Brasil, o connected banking surgiu como uma resposta proativa de empresas americanas a essas exigências regulatórias.
Já que existe uma tendência global de obrigação de compartilhamento de dados, as instituições americanas consideraram que deveriam promover uma revolução tecnológica para aproveitar as oportunidades que surgirão disso.
Dessa forma, elas passam por uma migração de plataformas antigas de infraestrutura de tecnologias legadas para arquiteturas novas baseadas em cloud computing, big data, analytics, redes sociais e mobile banking.
Tudo mais descentralizado e mais aberto.
O uso de APIs para trafegar os dados permite que essa nova infraestrutura suporte o desenvolvimento de novos produtos e ofertas, num mundo em que o cliente possa aderir a serviços bancários de instituições diferentes como se fossem uma utilidade básica, como água ou energia.
Dessa forma, ele não precisará ser correntista para ter acesso ao que deseja de cada banco tradicional ou fintech.
E, melhor do que isso, poderá receber ofertas proativas. Petroni exemplifica com o caso do passageiro que tem uma passagem para voar de São Paulo para Nova York.
O seu celular, então, avisa que o horário do embarque está se aproximando e que, devido ao trânsito na cidade, precisará tomar um carro nos próximos minutos.
Um aplicativo sugere chamar um carro. Ao chegar no aeroporto e passar pelo controle de passaporte, um outro aplicativo avisa que há tempo para comer num bom restaurante no local e oferece um desconto.
No mundo das finanças, isso pode ser traduzido por um aplicativo que sabe que o cliente está mudando de país ou de cidade e que o ajuda na busca por um apartamento, dá opções de financiamento e até de escola para os filhos.
“O serviço antecipa o próximo passo de consumo e oferece uma opção. Se o banco fizer isso, ele coleta tarifas, ganhando negócios”, afirma Petroni. “Mas ele precisa estar aberto para um mundo de, ao mesmo tempo, cooperação e competição entre empresas, um ambiente mais complexo do que os modelos econômicos do passado. E tudo isso por causa da sofisticação das expectativas do usuário final.”
Com o connected banking, os bancos mais tradicionais poderão ficar mais prontos para enfrentar a concorrência das grandes empresas de tecnologia, como Apple, Google, Facebook e Amazon.
Por meio de redes sociais, elas dominam o tempo de tela dos consumidores, e vêm buscando entrar no mundo das finanças por meio de moedas digitais, como o projeto Libra, do Facebook, e de contas de pagamentos inteligentes, conforme a anunciada pelo Google, no fim de 2019.
Ao migrar para plataformas mais abertas, os serviços financeiros podem tomar parte do espaço e tempo dedicado a essas empresas, desde que os clientes encontrem nos aplicativos do setor ofertas interessantes para as suas experiências de consumo.
Petroni lembra que as instituições financeiras tradicionais não concedem pagamentos digitais para o multibilionário mercado de games sociais, como o popular Fortnite, que permite a aquisição de vestimentas e armas virtuais.
Com isso, desperdiçam um potencial gigantesco de negócios em pequenas transações.
As inovações que surgirão com a aplicação dos novos conceitos só cabem ao futuro.
Foi apenas depois que o Google abriu os dados de seus mapas a desenvolvedores independentes que surgiu o Uber, oferecendo a localização de motoristas próximos que poderiam pegar passageiros.
Ou seja, um novo mundo de inovações se encontra pela frente, e ele pode mudar toda a forma de se escolher produtos financeiros e de fazer transações.
Mas quem deseja embarcar nessa revolução precisará estar tecnologicamente bem preparado para isso.
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