SÃO PAULO – A associação do presidente Jair Bolsonaro com a agenda liberal é um “casamento de conveniência”, mas pode ter sido mais tímida no primeiro ano de administração do que se prometia na campanha eleitoral. Este foi um dos temas do debate entre os economistas Gustavo Franco, Armínio Fraga e Pérsio Arida, ex-presidentes do Banco Central e personagens do Real, em evento promovido pelo Credit Suisse, na última terça-feira (28).
Primeiro a analisar o quadro, Franco, que presidiu o BC entre 1997 e 1999, adotou postura mais otimista em relação ao atual momento da economia brasileira, sobretudo no que diz respeito à recuperação da credibilidade junto a investidores globais.
Para ele, apesar de o atual governo ser fruto de um “casamento arranjado”, em função do histórico não liberal do presidente, os resultados têm sido positivos. “Não é amor sincero, mas funciona”, disse.
Já Arida, presidente do BC em 1995, disse que houve timidez nas medidas adotadas e propostas apresentadas neste primeiro ano de governo Bolsonaro. Na sua avaliação, a postura contrasta com a promessa liberal assumida durante as eleições, fruto de uma aproximação entre o atual presidente e Paulo Guedes, ministro da Economia.
Último a falar, Fraga, presidente do BC entre 1999 e 2003, concordou com o diagnóstico de seu colega e disse que, “apesar de o mercado estar superalegre, de a bolsa estar subindo, o investimento não está vindo ainda”.
Em sua exposição, ele tratou dos desafios ainda postos para a saúde fiscal do país, como a necessidade de uma reforma para o funcionalismo e uma redução de “subsídios indevidos” na economia.
Eis um resumo de cada análise:
Gustavo Franco
Há um momento diferente para a economia brasileira, observa o economista. Um dos sinais é a baixa taxa de juros, com marcas estruturais, em uma sinalização de melhora de perspectivas para investimentos no país. “A taxa de juros é menor de um jeito mais profundo, a curva do juro longo caiu”, afirmou.
Para ele, esta é uma demonstração de credibilidade, conquistada em função de sinalizações de engajamento em torno da saúde fiscal. Um efeito positivo deste movimento seria também a abertura de espaço para debates microeconômicos, antes sufocados pela hegemonia da macroeconomia.
Em sua exposição, Franco abordou três tópicos gerais: 1) o movimento de crowding-in na economia brasileira, com a redução da participação do Estado e maior ingresso de investimentos privados; 2) os efeitos da tecnologia sobre a economia, especialmente do ponto de vista monetário; 3) o governo Jair Bolsonaro.
Sobre o desempenho pessoal do presidente Jair Bolsonaro em temas econômicos, o economista vê a relação com o liberalismo, representado no governo pelo ministro Paulo Guedes, como um “casamento de conveniência”, sobretudo em função de um desconhecimento e desinteresse do presidente em especificidades do debate.
“Nada contra casamento arranjado. Funciona, sobretudo se tem alguém vigiando se as entregas ocorrem”, observou o economista. “Não dá para se queixar por ora. Estão funcionando. Um pouco precário, instável. Não é amor sincero, mas funciona”, ponderou.
Nas últimas eleições, o economista assessorou a campanha de João Amoêdo (Novo), que terminou na quinta colocação, com 2,7 milhões de votos (2,5% dos votos válidos).
Pérsio Arida
O economista era um dos grandes céticos quanto ao casamento de conveniências entre Bolsonaro e o liberalismo indicado na campanha eleitoral de 2018. Passado um ano de governo, a despeito de reconhecer conquistas como a própria aprovação da reforma previdenciária, Arida vê uma administração muito menos alinhada com os princípios liberais do que fora prometido.
“É um governo menos liberal na política econômica do que o discurso que ele vende. Podia falar de abertura comercial, mas não aconteceu praticamente nada. Podia falar de privatizações, mas tem sido uma decepção para quem acreditava que o Bolsonaro seria privatizante”, pontuou. Na última corrida presidencial, o economista assessorou a candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que terminou a disputa com 4,76% dos votos.
Em sua exposição inicial no evento, Arida optou por concentrar-se em dois casos para ilustrar seu ponto. O primeiro refere-se ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Embora o governo tenha trabalhado para reduzir o tamanho de ambos, o economista tratou as iniciativas como tímidas, que não provocaram uma discussão aprofundada sobre a essência dos fundos, que, em suas palavras, não precisariam mais existir.
“Dois fundos criados no passado dentro da ideia de que faltava crédito no país porque não havia poupança. Hoje não têm razão de ser”, opinou.
“Por que o governo não deu esses passos? É difícil entender. Não estou dizendo que o governo propôs coisas boas, ambiciosas, ao congresso e o congresso diluiu. Não estou falando de articulação política, porque isso não existe. As propostas enviadas já são tímidas em si”, avaliou. “São vacilações que contradizem o discurso do governo”.
Em outra provocação ao liberalismo do governo, Arida tratou da agenda de desestatizações. Apesar de o discurso oficial da atual administração ser otimista com os resultados até aqui alcançados, ele cobrou a venda de grandes controladoras como política efetiva de privatizações.
“Se contar como privatização a venda de subsidiária, é enganação. Não significa nada em relação a participação do estado na economia”, afirmou. Ele argumentou que a venda de subsidiárias das estatais apenas gera recursos para as controladoras e que apenas a venda de “grandes estatais” mudaria a natureza do estado brasileiro.
Durante a última campanha eleitoral, Persio Arida concedeu entrevista ao InfoMoney, na qual criticou a súbita transformação de Bolsonaro em um candidato defensor das pautas do liberalismo.
“As pessoas se enganam, acham que Bolsonaro estava andando na estrada de Damasco, teve uma iluminação divina, e se tornou liberal porque conversou com Paulo Guedes. Ledo engano. Bolsonaro é um engodo, ele é tão estatizante quanto a esquerda”, disse o economista na ocasião.
Armínio Fraga
O economista defendeu a necessidade de se dar continuidade à agenda de reformas, de modo a atacar a crise fiscal do país e incapacidade de o Estado em realizar investimentos — realidade persistente a despeito das iniciativas do governo e propostas aprovadas pelo Congresso, como a reforma previdenciária.
Para ele, “a casa ainda não está arrumada” e é preciso entender a diferença entre um crescimento sustentado de 4% ao ano e uma recuperação cíclica. Ele acredita que o caminho para uma reação mais robusta da economia passa por novos ajustes que ataquem despesas previdenciárias, gastos com o funcionalismo e subsídios excessivos.
“Dez pontos do PIB estão disponíveis com relativa facilidade”, disse. “Existe potencial para termos uma revolução em 5 a 10 anos. Estamos falando de muito dinheiro. Isso permite visões políticas e ideológicas diferentes”, argumentou.
O economista chegou a ser apontado por Aécio Neves (PSDB), na corrida presidencial de 2014, como seu possível Ministro da Fazenda, em caso de vitória do tucano contra Dilma Rousseff (PT), que acabou reeleita.
Para Franco, este é o caminho para atacar um dos principais desafios brasileiros: a expressiva desigualdade de oportunidades. “Acredito em uma rede de proteção social. Para isso, é preciso que haja um estado que funcione minimamente com regras. No caso do Brasil temos um estado gordo, quebrado, ineficiente. Apesar de ser grande, incapaz de produzir um grau mínimo de igualdade de oportunidades”.
Na avaliação do economista, tal realidade desigual “envenena” o debate político e, como um de seus efeitos colaterais, torna o país presa fácil de populismos.
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