SÃO PAULO – Apesar de encerrar uma sequência de 12 altas seguidas nesta sexta-feira (6), quando fechou em queda, o dólar comercial ainda acumula uma valorização de 9,33% contra o real em apenas um mês.
Uma depreciação da moeda brasileira era esperada em meio ao cenário de maior aversão ao risco por conta do coronavírus, levando os investidores a buscar ativos mais seguros. Ainda assim, o real se destaca como a pior moeda dos mercados emergentes no ano, ao cair mais de 15%.
Esse movimento causa divergências entre os analistas. Alguns consideram que a alta da divisa americana é exagerada, enquanto outros defendem que é reação natural de um mercado que vive um momento atípico de incerteza exacerbada.
Enquanto isso, o Banco Central segue atuando apenas de forma pontual, seguindo um discurso feito desde o início do ano de que só iria intervir no mercado quando enxergasse uma problema de liquidez.
Na próxima semana, a autoridade monetária já anunciou leilão de venda à vista de dólar no valor de US$ 1 bilhão.
Mas este posicionamento da autoridade monetária já começa a incomodar analistas e investidores, que aguardam por uma atuação mais forte para tentar conter a desvalorização do real dado que a atual cotação é considerada exagerada.
“Há indícios de que o real, à margem de todos os demais fatores de influência, esteja sob ataque especulativo, e se for o caso, a ação do BC com intervenções com leilões de swaps cambiais tradicionais deveria ser mais contundente e firme”, afirma em relatório Sidnei Nehme, diretor executivo da corretora de câmbio NGO.
Para Nehme, é esperado que o BC dê início à venda de dólares à vista de forma a suprir a demanda, que tem mitigado com oferta de linhas de financiamento em moeda estrangeira. Por outro lado, os bancos já estão com posições vendidas da ordem de US$ 38,0 bilhões, o que, segundo ele, indica que precisarão de oferta de dólares moeda efetiva.
Na mesma linha, José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, aponta que um programa de venda de dólares à vista é necessário para acalmar o mercado. Apesar disso, ele ressalta que não pode seguir o mesmo modelo de como foram programas de intervenção anteriores.
“O BC não pode indicar o volume de vendas e dar um prazo para atuar. Tem que deixar os especuladores com dúvidas. O BC pode até indicar quanto será vendido, mas sem apontar quando fará isso. A surpresa nestas horas é mais eficiente”, afirma o analista.
Mostrando a saída
Por outro lado, alguns analistas entendem que não é recomendável que o Banco Central tenha uma atuação mais agressiva no câmbio.
Bruno Lavieri, sócio da 4E Consultoria, instituição top 5 do Banco Central no ranking de previsões de longo prazo, avalia que, se a autoridade monetária decidisse vender dólares à vista, poderia paradoxalmente aumentar a pressão compradora no curto prazo e até estimular os especuladores a comprarem a briga para saber até onde vai o dólar.
“Não conseguimos entrar na cabeça do investidor que está tirando o dinheiro dele do Brasil”, explica. “O investidor não está sendo muito racional. Muitos poderiam querer sair ao mesmo tempo se o BC oferecesse mais moeda e [o BC] poderia acabar enviando a sinalização equivocada de que há um patamar ideal do câmbio”, diz.
A venda de reservas, na opinião do analista, poderia ter ainda o efeito deletério de diminuir no mercado as expectativas e a confiança de que o governo possui ferramentas poderosas para se defender de um ataque especulativo. Algo que ele não acredita que esteja ocorrendo ainda.
Na avaliação de Lavieri, a abordagem atual é a mais eficaz, pois mostra ao investidor que existe liquidez para sair do real, dando até mais segurança para os investimentos no Brasil. “O que é preciso combater é apenas a volatilidade, não adianta defender patamar do dólar”, argumenta.
Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do BC, vai na mesma linha e diz que as atuações do BC “são efetivas” e buscam manter a normalidade do sistema – provendo liquidez – e não atenuar o movimento.
“Em momentos como este, em que você tem um choque muito grande, o que o Banco Central tem que fazer é isso: prover liquidez onde ela estiver faltando, seja no câmbio ou onde for. É isso que os bancos centrais estão fazendo”, disse ele em entrevista ao InfoMoney.
Carry trade
Outra preocupação que surge na cabeça dos investidores é acerca do carry trade, uma vez que as apostas estão altas para que o Comitê de Política Monetária (Copom) corte os juros na reunião deste 18 de março.
A operação de carry trade ocorre com a combinação entre fazer uma posição vendida em moeda com taxa de juros mais baixa e outra comprada em moeda com juro mais alto. Além da diferença entre os juros, o investidor também lucra com a variação cambial implícita.
Se o Brasil reduz as taxas de juros, a diferença entre as taxas pagas no país e as pagas nos Estados Unidos (que têm os títulos soberanos mais seguros do mundo) diminuem, prejudicando a operação.
Contudo, Lavieri afasta qualquer preocupação neste sentido, lembrando que o Federal Reserve já reduziu os juros dos EUA em 0,5 ponto percentual este mês e pode fazer isso de novo no dia 18.
“Baixar juros junto com os EUA não deveria ter efeito sobre o carry trade, mas nem sei se esse fenômeno ainda é tão relevante assim, visto que as pessoas estão correndo para o dólar de qualquer jeito”, defende.
Um outro fator que está derrubando o real é o baixo crescimento do PIB brasileiro. Em 2019, a atividade econômica cresceu 1,1% e, para 2020, várias casas de análise vêm cortando projeções para a economia nacional,
Com a Selic baixa e sem crescimento econômico, há baixa atratividade para a entrada de capital estrangeiro no país, impulsionando o dólar.
Sobre esse cenário, aponta o Itaú Unibanco em relatório, há a perspectiva de aceleração do crescimento da economia brasileira na segunda metade do ano, o que deve compensar, pelo menos em parte, o impacto do menor diferencial de juros atraindo capitais para o país e permitindo apreciação da moeda.
O banco tem projeção de um dólar a R$ 4,15 em 2020 e 2021, 10% abaixo do patamar atual. Porém, no curto prazo, avalia que a moeda deva seguir pressionada por conta do elevado nível de incerteza global.
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