SÃO PAULO – “Este ano [2019] foi o mais difícil da história da companhia”. Com essas palavras, Eduardo Bartolomeo, CEO da Vale (VALE3) desde março de 2019, definiu durante teleconferência de resultados do quarto trimestre como foram os últimos meses da mineradora, após a tragédia de Brumadinho (MG) ocorrida em 25 de janeiro do ano passado.
O rastro de destruição com o rompimento da barragem B1, da mina do Córrego de Feijão, administrada pelo companhia, foi gigantesco, com mais de duas centenas de mortes. Desde então, a companhia fez acordos judiciais, sofreu paradas de produção, fez provisionamentos. Porém, os números apresentados pela companhia sobre o quarto trimestre de 2019 mostram que o efeito da tragédia pode demorar ainda mais para passar.
No quarto trimestre do ano passado, a mineradora registrou prejuízo líquido de US$ 1,562 bilhão, revertendo o lucro de US$ 3,786 bilhões registrado no mesmo período do ano anterior. Porém, boa parte desse resultado ocorreu por: provisões e despesas relativas a Brumadinho; ao registro e impairment e contratos onerosos sem efeito caixa, principalmente relacionados aos segmentos de Metais Básicos e Carvão; e provisões relacionadas à Fundação Renova e à descaracterização da barragem de Germano.
Ao olhar para a parte operacional, os dados foram vistos como fortes e em linha com o consenso pelos analistas de mercado, corroborando a ideia de que as maiores vendas compensaram os preços mais baixos das commodities.
O Itaú BBA destacou que a Vale reportou números ligeiramente melhores que os projetados para o quarto trimestre de 2019, com um lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações [Ebitda] ajustado de US$ 4,68 bilhões (R$ 20,1 bilhões), 2% acima da projeção dos analistas do banco e do consenso do mercado.
Já os analistas do Credit Suisse apontaram que a Vale conseguiu ofuscar de forma parcial o preço de minério mais baixo (com queda de 6% na base trimestral) com um forte avanço nos embarques (alta de 5% na base trimestral) da commodity e também com um nível mais baixo de custo de capital.
Destaque positivo ainda para a forte geração de caixa, de US$ 1,3 bilhão no trimestre, que ajudou a reduzir a relação entre a dívida líquida de US$ 5,3 bilhões para US$ 4,9 bilhões e a alavancagem para 0,5 vez a relação entre a dívida líquida e o Ebitda.
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Contudo, o que acabou sendo avaliado como negativo pelos investidores e ofuscou os dados positivos nas operações da companhia foi uma nova provisão entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões, uma vez que a mineradora está procurando acordos mais amplos com as autoridades sobre Brumadinho. Vale destacar, contudo, que a Vale não atribui uma alta probabilidade a esse respeito por enquanto, aguardando aprovações do estado de Minas e promotorias, entre outros.
Antes da abertura do pregão, o Credit Suisse já havia apontado que esses números não deveriam ser bem recebidos pelo mercado, uma vez que havia a percepção de que os US$ 6,6 bilhões provisionados anteriormente já seriam suficientes. E esse efeito negativo realmente aconteceu: as ações da Vale registram queda de cerca de 4%, sendo também impactadas pelo ambiente de maior aversão ao risco do mercado por conta do coronavírus, que afeta principalmente as commodities com os temores de desaceleração da economia da China, gigante asiático importador de minério e mais afetado pela doença até então.
Conforme aponta a Vale, as provisões e despesas relacionadas à tragédia já totalizaram R$ 18,5 bilhões. Além disso, para redução dos riscos de novos desastres, a companhia colocou em prática o processo para descaracterizar barragens a montante, o que levou a gastos adicionais de R$ 10,3 bilhões. O projeto deve continuar nos próximos anos, estendendo esse tipo de custo por mais tempo.
Porém, há quem enxergue o copo como “meio cheio”. Durante a teleconferência, a direção da mineradora apontou que eventuais negociações para a suspensão de ações judiciais podem reduzir a insegurança jurídica sobre os números da companhia e, inclusive, agilizar o pagamento de dividendos.
Na mesma linha, o Credit Suisse ressalta: “se todos esses valores forem provisionados, isso poderia oferecer a oportunidade da companhia virar a página de uma vez por todas removendo, assim, uma incerteza (eliminando uma disputa judicial plurianual) e potencialmente acelerando a restauração da política de dividendos da Vale (que por enquanto permanece suspensa)”. A XP também destaca: “consideramos o potencial fim dos processos como um evento positivo, apesar dos valores de provisão mencionados”.
A questão sobre a volta do pagamento dos proventos, aliás, deve ser acompanhada de perto pelo mercado, já que os baixos níveis de alavancagem e a forte geração de caixa elegem a companhia como uma forte pagadora de dividendos em 2020.
Os analistas do Credit seguem com recomendação outperform (desempenho acima da média) para os ADRs (American Depositary Receipts) da companhia. Eles avaliam que, apesar dos impactos temporários em potencial por conta do coronavírus na demanda pelo minério, isso pode ser compensado posteriormente com as medidas de estímulo da China nos próximos trimestres.
Além disso, a ação negocia a uma relação de 3,3 vezes o EV (valor de mercado mais a dívida líquida) e o Ebitda esperados para 2020, bem abaixo dos 6 vezes históricos e também com desconto em relação a seus pares australianos.
Relatório do Comitê independente: um novo fator de risco?
Porém, não foram somente as provisões superiores da Vale que repercutiram no mercado. No mesmo dia em que divulgou seus resultados do quarto trimestre de 2019, a Vale também disponibilizou o relatório do Comitê Independente de Assessoramento Extraordinário formado pela mineradora para investigar Brumadinho. E segundo essa apuração, pelo menos desde 2003 a Vale tinha informações que indicavam as condições frágeis da barragem.
O grupo foi constituído pelo Conselho de Administração da companhia, sob a coordenação da ex-ministra Ellen Gracie, dedicado à apuração das causas e responsabilidades do colapso da estrutura. O Comitê apontou que “as medidas adotadas para remediar as fragilidades e aprimorar a segurança foram limitadas e malsucedidas ou, se tivessem sido implementadas, não seriam eficientes a curto prazo para elevar a estabilidade da B1 a condições satisfatórias”.
Em fato relevante, a Vale disse que o relatório traz recomendações de natureza técnica e de governança, e que “a maior parte dessas recomendações diz respeito a temas que já vêm sendo tratados pela companhia por meio de inúmeras ações para aprimoramento de seus controles internos”. A empresa informou que divulgará em até 30 dias um cronograma de implementação de referidas ações.
Após a divulgação do documento, os analistas do Morgan Stanley colocaram a recomendação da Vale, anteriormente equalweight (exposição em linha com a média do mercado), em revisão, assim como o preço-alvo da mineradora.
De acordo com a equipe de análise do banco americano, a conclusão do relatório pode levar a passivos ainda maiores sobre o caso Brumadinho no futuro. “As conclusões do comitê independente podem levar a um exame mais minucioso pelas autoridades e multas potencialmente mais altas”, avaliam os analistas, que destacam que os números nublam os sólidos resultados da empresa no quarto trimestre.
Já o Bradesco BBI, que mantém recomendação equivalente à compra para os ativos, avalia ser importante destacar que o relatório em questão descreve apenas os fatos encontrados ao longo da investigação, e não é seu escopo determinar possíveis consequências legais, apenas oferecer recomendações (25 foram feitas, principalmente na área de gerenciamento de riscos).
“Observamos que a Vale agora está claramente avançando no sentido de melhorar os critérios internos e externos de segurança e gerenciamento de riscos, incluindo (i) o estabelecimento de uma nova Política de Gerenciamento de Riscos com, por exemplo, quatro Comitês Executivos de Riscos Comerciais, permitindo que as informações fluam de forma aberta e aberta em todos os níveis organizacionais e (ii) o novo Escritório de Segurança e Excelência Operacional, que se reporta diretamente ao CEO e tem autoridade para interromper as operações por motivos de segurança”, avaliam os analistas.
Durante teleconferência, Alexandre D’Ambrósio, consultor-geral da companhia, afirmou que as conclusões do relatório não trouxeram novidade em relação a apurações do Ministério Público e da polícia. “Nenhuma surpresa”, disse ele.
Enquanto isso, a companhia também apontou em teleconferência o que espera que aconteça para este ano em termos de produção, avaliando que ela deve ser recuperada em parte durante 2020, chegando ao fim dele com 340 a 355 milhões de toneladas. Em 2019, a produção de minério da companhia teve queda de 21,5% com interrupções em minas devido à elevação das restrições de segurança.
Conforme destaca o Bradesco BBI, a meta de 2020 se tornou um pouco mais desafiadora, mas ainda assim atingível, em meio à produção em Carajás, à retomada das operações em Alegria e Vargem Grande, à possível retomada de Timbopeba (prevista para o segundo trimestre) e à volta da operação total em Brucutu.
A Vale ainda tem grandes desafios a superar, mas a maior parte dos analistas segue positiva com os papéis, avaliando que a companhia está, aos poucos, evoluindo em resolver os passivos com relação a Brumadinho e tomando atitudes corretas para que tragédias como a ocorrida no ano passado não voltem a acontecer. Segundo consenso Bloomberg, das 22 casas de análise que cobrem a companhia, 16 possuem recomendação de compra, enquanto 5 tem recomendação neutra e apenas 1 recomenda venda.
Contudo, o ambiente de incertezas, ainda que tenha se reduzido, segue rondando a companhia, o que ainda faz com que ela negocie com desconto em relação aos seus pares internacionais. Esses fatores, associados aos desafios de curto prazo para as commodities com o coronavírus, fazem com que o resultado, ainda que tenha se apresentado como forte, não tenha sido bem recebido pelos investidores.
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