terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Sem glúten e com restrições: o papel da defesa da liberdade em prol do empreendedorismo feminino

Mulheres em reunião

*Por Camila Braune

A doença celíaca é uma condição autoimune causada pela intolerância ao glúten, proteína presente no trigo, cevada e centeio. Calcula-se que mais de 42 mil crianças morram por não serem diagnosticadas a tempo.

Estudos de 2016 da Unifesp comprovam que cerca de 83% dos alimentos rotulados como “livres de glúten” estão contaminados com índices superiores aos permitidos pelos órgãos internacionais. Em 2013, minha sobrinha foi diagnosticada com essa condição, o que me inspirou a seguir um novo caminho.

Em 2016, aos 28 anos, abandonei minha carreira publicitária e, tendo minha irmã como sócia, resolvemos empreender, e criar uma empresa de produtos sem glúten, livre do risco de contaminação cruzada.

Devido a nossos critérios rígidos de produção, ganhamos diversos concursos de startups, e hoje somos a quarta marca brasileira com a certificação internacional GFCO, que garante que nossos produtos são 100% livres de glúten.

O começo não foi fácil, mas difícil mesmo é ser levada à sério.

Consulte o verbo “empreender” no Google, e a definição apresentada o faz refletir: verbo transitivo direto, decidir realizar (tarefa difícil e trabalhosa); tentar.

Muitos acharam que só estávamos “tentando”. Alguns fornecedores se recusavam a nos atender, argumentando que nosso pedido mínimo de compra era muito alto para cozinhas artesanais. Pediam para falar com nosso pai, marido ou responsável pelo setor de compras, mas não conosco. Chamavam-nos de meninas, garotas, queridas…

Esse artigo não é uma ode ao feminismo. Mesmo porque esse é um termo impreciso que foi distorcido ao longo do tempo, sendo relacionado erroneamente à vitimização da condição da mulher-empresária, à superioridade do feminino ou ao inconformismo perante as diferenças naturais entre os sexos.

No entanto, sim, ele é feminista, já que não podemos esquecer que a participação das mulheres no meio empresarial é relativamente recente. No século XVIII, o autor liberal John Stuart Mill [1], em sua obra sobre a liberdade: a sujeição das mulheres, defendeu que os homens de sua época não deveriam condicionar a natureza da mulher a uma visão idealizada da época: um ser emotivo, dócil e fraco.

Mill considerava que a sujeição feminina é errada em si mesma, violando as liberdades individuais e um dos principais obstáculos ao progresso humano. Ele igualava a situação feminina da época à “escravidão primitiva”.

Minha luta pelo sufrágio feminino e pela representação pessoal, foi vista como um mero capricho individual, mas o grande progresso, desde então, feito por essas opiniões e especialmente a reação motivada, em quase todas as partes do Reino, pela demanda do sufrágio às mulheres, justificam completamente a oportunidade daquelas declarações, e se tornaram um empreendimento pessoal, tomado como um dever moral e social [2].

Existem outras dimensões das liberdades individuais que foram conquistadas pelas mulheres ao longo do tempo. Não só a licença maternidade, como direito ao voto, ao divórcio e o de usar métodos contraceptivos. Hoje, as mulheres desfrutam de mais autonomia sobre essa liberdade individual, mesmo que persista a mística da mulher como sexo frágil.

Segundo dados da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em 2018 o Brasil possui a sétima maior proporção de mulheres empreendedoras, dentre as 49 principais economias estudadas.

Mesmo assim, a mulher tem mais dificuldade para conseguir crédito e abrir seu negócio. De acordo com o estudo do Sebrae [3] de 2017, as linhas de crédito para mulheres são, em média, R$ 13 mil inferiores e cobram taxas 3,5% ao ano maiores que para homens (com exceção de programas de microcrédito que incentivam esse tipo de empréstimo).

Quando falamos em salários, a média de remuneração é 22% menor para as mulheres. Estudos feitos pelo Sebrae [4] mostram que há mais de 9 milhões de mulheres à frente de uma empresa, sendo 34% delas donas do próprio negócio. O grau de escolaridade dessas mulheres é 16% maior que o dos homens na mesma posição.

Parece que, em muitos aspectos, nossa sociedade se iguala à do século XVIII de John Stuart Mill, pois opta por limitar a liberdade de um grupo de indivíduos. E quando são criadas políticas de incentivo e cotas para mulheres, mantemos um intervencionismo arcaico. Devemos educar as próximas gerações a respeitar a liberdade do indivíduo, julgando-o por seus valores e dando oportunidades para os mais competentes.

Para finalizar, parafraseio uma afirmação de John Stuart Mill em seu livro que, mesmo escrito no século XVIII é tão atual (e tão feminista em sua essência): “o fato de não sabermos do que as mulheres são capazes, é porque os homens nunca as deixam tentar – e não podemos fazer uma afirmação autoritária sem evidências” [5].

[1] https://pt.m.wikipedia.org/wiki/John_Stuart_Mill

[2] Mill, John Stuart. Sobre a liberdade. São Paulo: L&PM Pocket.

[3]https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/por-que-e-fundamental-estimular-o-empreendedorismo-feminino,ca96df3476959610VgnVCM1000004c00210aRCRD

[4] https://datasebrae.com.br/wp-content/uploads/2019/03/Empreendedorismo-Feminino-no-Brasil-2019_v5.pdf

[5] Outros artigos interessantes: (i) https://www.contraocorodoscontentes.com.br/2013/05/feminismo-e-liberalismo-uma-relacao.html e (ii) https://www.geledes.org.br/toda-feminista-e-mal-amada-por-luise-bello/

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