SÃO PAULO – No fim de janeiro a empresária Silvia Monteil percebeu que havia algo errado com a conta corrente de seu negócio. O dinheiro que deveria receber das compras feitas pelo site da loja, a Livraria Francesa, não estava lá.
Ao entrar em contato com a GenComm, responsável por intermediar as transações financeiras de seu e-commerce, Silvia foi informada de que se tratava de um problema temporário e que logo o dinheiro da livraria, que atua há mais de sete décadas no país, estaria em sua conta. Isso nunca aconteceu.
A GenComm, que até outubro do ano passado operava sob o nome de Rakuten Brasil, entrou com pedido de recuperação judicial pouco tempo depois, no dia 3 de fevereiro, e o pedido foi aceito pela justiça na última sexta-feira (7).
A Livraria Francesa, de Silvia, entrou na lista de credores da GenComm — juntamente com mais de 2.000 lojistas brasileiros e o dinheiro que eles tinham a receber por compras feitas em seus sites.
“Eu utilizava os serviços da GenComm desde 2008 [na época, a empresa operava sob o nome de Ikeda]. Nunca achei que passaria por isso. Além de não receber, tive que tirar o e-commerce do ar porque ele era todo operado pela GenComm. Não sei quanto tempo vou demorar até achar outro fornecedor e voltar a vender pelo site”, diz Silvia.
“Muitos lojistas dependiam do dinheiro que foi parar na recuperação judicial para continuar operando. Muita gente vai quebrar. É uma situação absurda e acontece com uma empresa que sempre foi vista como exemplar”, afirma Cleyton Soares, gerente do e-commerce da varejista de sapatos Santa Lolla, que também entrou na lista da recuperação judicial.
O drama dos lojistas acontece apenas três meses depois de a GenComm assumir a operação da Rakuten Brasil — braço local da multinacional japonesa Rakuten, que está entre os cinco maiores conglomerados de e-commerce do mundo. As operações no país focam em oferecer serviços de pagamento, entregas e infraestrutura de um site de e-commerce para varejistas que desejam montar uma loja virtual.
Por conta do curto espaço de tempo entre a mudança de controle e o pedido de recuperação judicial, muitos lojistas cobram explicações tanto da GenComm quanto da companhia japonesa. A Rakuten não tem mais ligação alguma com as operações vendidas e atualmente mantém em operação no Brasil apenas uma outra empresa de publicidade online, a Rakuten Marketing.
O que todos querem é entender o que levou uma empresa que entrou no mercado brasileiro em 2011 cheia de promessas e planos a terminar com um pedido de recuperação no valor de R$ 46,4 milhões.
Os meses da ex-Rakuten antes da recuperação
O InfoMoney apurou que a Rakuten começou a procurar por interessados em suas operações no país no começo do ano passado.
Os negócios por aqui nunca deram o retorno esperado e a multinacional decidiu se concentrar em planos mais ambiciosos — como uma rede de telefonia construída 100% “na nuvem”.
Depois de negociar com alguns interessados, a Rakuten assinou contrato com a Tog Brazil Holding, um veículo local do fundo americano Ten Oaks Group — até então sem qualquer histórico no Brasil.
Segundo seu site, o fundo Ten Oaks Group é formado por um grupo de investidores de private equity focado em empresas pequenas (com Ebitda abaixo de US$ 25 milhões) que precisam passar por reestruturações.
Executivos ouvidos pelo InfoMoney que acompanharam de perto a transação afirmam que, durante as negociações, executivos do fundo Ten Oaks se mostraram interessados em fortalecer as operações da até então Rakuten e mencionaram que planejavam um aporte de recursos.
Logo que assumiu, no entanto, o fundo alterou o nome da companhia para GenComm e demitiu grande parte dos funcionários, incluindo os diretores e o presidente René Abe — que deixou as operações no dia seguinte. A maior parte dos clientes foi informada sobre a mudança de controlador — e de nome —por e-mail. Procurada, a GenComm não deu entrevista.
“Todas essas mudanças aconteceram dias antes de uma operação grande para o varejo que é a Black Friday”, afirma um ex-funcionário da empresa. Desde outubro, o quadro de funcionários da ex-Rakuten foi reduzido de 200 para 68.
Em seu pedido de recuperação judicial, a GenComm afirma que, ao assumir os negócios, encontrou um cenário pior do que o previsto.
No documento, a GenComm afirma que, além de ser uma operação deficitária (com prejuízo de R$ 25 milhões nos 12 meses anteriores à aquisição), um dos maiores problemas que descobriu foi o calote de um de seus principais clientes.
A XIAOMIBRZ, revendedora não autorizada de produtos da chinesa Xiaomi, teria deixado de entregar 60% dos pedidos realizados entre fevereiro e setembro de 2019 — período em que a Rakuten prestou serviço. O passivo desse cliente totalizaria R$ 5,5 milhões, segundo informou a GenComm no pedido de recuperação judicial.
Ex-executivos da companhia alegam que o caso da XIAOMBRZ e os números do prejuízo dessa operação já eram de conhecimento “público” na empresa desde setembro.
Alguns funcionários afirmam ainda que já haviam alertado René Abe e os demais executivos sobre os problemas com a XIAOMIBRZ quando o site entrou em operação. Procurado, René Abe não comentou o assunto.
A GenComm afirma que a situação, que já era grave por conta do prejuízo com XIAOMIBRZ, teria piorado após o banco Itaú Unibanco cortar uma linha de crédito de R$ 65 milhões e manter os recebíveis do grupo para amortizar o saldo devedor.
“Na prática o que a GenComm fez foi se apropriar do nosso dinheiro”, afirma Cleyton Soares, da Santa Lolla. Procurado, o Itaú Unibanco não respondeu ao pedido de entrevista.
Rakuten: a antiga promessa do varejo brasileiro
A dramática saída da Rakuten no Brasil contrasta com sua chegada, em 2011. Na época a empresa adquiriu a plataforma de e-commerce Ikeda. Um ano depois, lançou sua operação de marketplace no país e tornou público o seu plano de ser um dos maiores negócios de e-commerce do país.
Naquele período, as gigantes do varejo online brasileiro como Via Varejo (ex-Cnova), B2W e MagazineLuiza ainda não operavam como marketplace. Apesar de ter sido pioneira nesse mercado, a Rakuten não conseguiu decolar.
“Eles cometeram dois erros: primeiro, não investiram para atrair o tráfego necessário para o site e como ninguém conhecia a marca Rakuten, ninguém entrava. Segundo, os lojistas pagavam muito caro para operar na plataforma”, afirma um especialista no setor.
Em 2016 a Rakuten anunciou que estava abandonando o modelo de marketplace para focar na prestação de serviços no e-commerce, oferecendo produtos financeiros, logísticos e infraestrutura para a criação de e-commerce.
Enquanto fazia ajustes na operação brasileira, a Rakuten também tentava ganhar mais visibilidade no restante do Ocidente. Para isso, uma das estratégias mais agressivas adotadas em 2016 foi o patrocínio do Barcelona. Mas o efeito, por aqui, foi pequeno.
“Dentro dos novos negócios da Rakuten no Brasil, o Rakuten Pay [de serviços financeiros] foi vendido como a grande promessa da empresa, mas o mercado ficou muito concorrido e a matriz não realizava os investimentos necessários pra que ganhássemos escala”, afirma um ex-funcionário.
Procurada pela reportagem, a Rakuten afirmou, por meio de nota, que, após vender as operações no Brasil, “se esforçou para garantir uma transição suave e justa para todas as partes interessadas. A empresa se disse ainda “desapontada” ao tomar conhecimento dos “problemas de pagamento que a comunidade de fornecedores da GenComm está enfrentado”.
A nota finaliza informando que, “como a Rakuten não gerencia mais os negócios ou seus ativos”, não pode “comentar mais sobre o estado atual dos negócios”. Os lojistas transformados em credores precisam, agora, aguardar os trâmites da recuperação judicial.
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