Os mais recentes resultados trimestrais da Tesla, anunciados no meio da semana, mostraram o que muitos consideravam impossível: Elon Musk pode de fato ter criado uma montadora de verdade.
Depois de anos de atrasos, prejuízos, metas não-cumpridas, polêmicas desnecessárias, espetáculos de mídia e promessas grandiosas, Musk finalmente parece ter encontrado o caminho para transformar a Tesla em uma fabricante de carros como qualquer outra – ou seja, uma companhia capaz de produzir veículos em larga escala e, quem diria? Até mesmo dar lucro.
A Tesla produziu 367 500 carros elétricos no ano passado, ultrapassando as previsões mais otimistas dos analistas de Wall Street e deu um lucro pelo segundo trimestre consecutivo (apesar de ter ficado no vermelho quando se considera o ano passado todo).
A reação a esses números foi imediata. As ações da empresa dispararam e levaram o valor de mercado da Tesla a US$ 116,4 bilhões, basicamente a soma da Volkswagen (US$ 81,8 bilhões e mais de 10 milhões de carros produzidos ao ano) com a Ford (US$ 35,1 bilhões, 5,9 milhões de carros).
Há poucas dúvidas de que uma fatia crescente dos consumidores está pronta para abandonar a gasolina, e os investidores enxergam nessa transição uma enorme oportunidade. O que faltava até agora era a confiança de que a Tesla fosse capaz de provar que uma montadora exclusivamente elétrica pudesse ser viável.
Fabricar carros é um negócio de gente grande, e não é à toa que não se ouve falar de montadoras startups. Com uma oferta crescente de modelos, uma nova fábrica na China e outra planejada para a Alemanha, e uma liderança indiscutível em tecnologia e reconhecimento de marca no setor de veículos elétricos, a Tesla está mostrando que merece entrar para esse seleto clube.
Os analistas do Crédit Suisse acreditam que a produção da companhia atinja mais de 550 000 unidades este ano. O Morgan Stanley estima que em 2030 a companhia esteja produzindo 2 milhões de veículos ao ano. Parte desse crescimento se explica pela fábrica inaugurada em Xangai no final do ano passado. Entre o acordo fechado com o governo chinês e a produção do primeiro carro, passaram-se apenas 18 meses.
Velocidade é um fator essencial para a companhia. Em primeiro lugar, porque a história da Tesla até aqui foi cheia de tropeços. Em 2016, quando foi anunciado o Model 3, primeiro modelo da companhia com preços para competir com as montadoras tradicionais, Musk subestimou a complexidade de produzir o veículo em grande escala.
O que se viu foi um pesadelo para Musk. Numa entrevista concedida no final de 2018, ele disse que os problemas para aumentar a escala de produção do Model 3 foram tão graves que sua empresa esteve a “semanas” de morrer.
Alguns do carros que saíam da linha de produção – que incluía uma enorme tenda anexa ao prédio principal da montadora, na cidade de Fremont, Califórnia – tinham rachaduras nos vidros e riscos na pintura. A Tesla chegou a contratar oficinas da região para fazer retoques antes de entregar os Model 3 aos compradores.
Apesar dos problemas, o Model 3 foi um sucesso de crítica e de público, com números de vendas que superaram concorrentes diretos, como BMW 3 Series e Mercedes C-Class (ambos movidos a gasolina). Depois de solucionadas as questões de manufatura, o Model 3 tornou-se o maior sucesso dos 16 anos da Tesla.
A nova aposta da companhia é o Model Y, que começou a ser produzido no início deste ano e será entregue para os primeiros compradores em março – alguns meses antes do prazo anunciado, algo inédito para a Tesla. O Model Y é mais um sinal de que a Tesla está deixando o mercado de luxo para trás e se concentrado no mercado de massa.
“A marca Tesla tem mais prestígio que os híbridos mainstream, mas um preço mais baixo que os concorrentes de luxo”, afirmou numa entrevista recente Jessica Caldwell, analista da empresa de pesquisa de mercado Edmunds.
Outro indicador essencial para o sucesso de longo prazo da companhia é o mercado internacional. Apesar de uma desaceleração nas vendas nos Estados Unidos – causadas em parte pela redução de um incentivo fiscal destinado à compra de veículos elétricos –, os mercados europeu e chinês compensaram a retração doméstica. Além da recém-inaugurada fábrica na região de Xangai, a empresa promete começar a produzir carros em Berlim no final do ano que vem.
Uma parte essencial do negócio da Tesla são as baterias, produzidas na chamada “Gigafactory”, no estado americano de Nevada (e logo também na China). A capacidade de armazenamento de carga dos carros é um dos diferenciais essenciais dos carros da companhia em relação à concorrência, bem como um dos argumentos de venda mais importantes para os consumidores que temem ficar a pé por causa de baterias descarregadas.
Em novembro passado, Elon Musk tuitou que depois do Cybertruck, uma picape de visual retrofuturista que deve estar disponível ano que vem, não haveria mais anúncios de novos modelos “por um tempo” — mas este ano reservaria novidades tecnológicas “inesperadas”.
Uma das especulações é que, num evento anual para investidores para falar especificamente de baterias, Musk esteja pronto para anunciar a “Million Mile Battery”, uma bateria que dure 1,6 milhão de quilômetros. Isso é mais que o dobro da vida útil das baterias encontradas nos modelos vendidos hoje e equivaleria a cerca de 20 anos de uso contínuo.
Os avanços tecnológicos no que diz respeito às células de armazenamento de energia talvez sejam a conquista menos reconhecida da Tesla. Há cerca de dez anos, as baterias usadas nos veículos elétricos duravam mais de 160 000 quilômetros – o que significa a obrigação inescapável de trocá-las (para o consumidor) e reciclá-las (para a Tesla).
As inovações da companhia, desenvolvidas com alguns dos maiores especialistas do mundo em baterias de íons de lítio, são mais um indicador de que a Tesla está levando muito a sério o objetivo de ser a primeira história de sucesso de uma nova geração de montadoras.
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