SÃO PAULO – Se de um lado o Ibovespa chegou a ter algumas altas recentes, o câmbio não demonstrou muita reação, com o dólar renovando quase que diariamente sua máxima histórica.
O estouro do surto do novo coronavírus é o grande fator que tem feito não só o dólar subir ante o real, mas contra diversas outras moedas. O que tem levantado preocupações, é que no caso da divisa brasileira, o desempenho tem sido bem pior, e alguns analistas apontam outros fatores que têm sustentado esta situação.
Segundo estudo feito pela MCM Consultores, que está no Top 5 do Banco Central em câmbio, o dólar teve alta de cerca de 9% ante o real antes do carnaval. Este movimento estaria relacionado aos dados fracos da economia referentes ao fim de 2019, indicando que a taxa de juros precisaria cair mais.
Já no pós-carnaval, até o dia 26 de março, no pior momento o dólar tinha alta de 17%, este sim puxado pela aversão ao risco causada pelo coronavírus.
Até o momento, no acumulado de 2020, o dólar comercial acumula uma valorização de 32,5%, ganhando cerca de R$ 1,30 em apenas três meses e superando os R$ 5,30.
Para os analistas do Credit Suisse, daqui para frente, o foco deve ser o pico de infectados com Covid-19, taxas de crescimento e a possibilidade da pandemia anular o crescimento global. Com isso, eles acreditam que dificilmente o dólar irá reverter sua tendência de alta, principalmente contra moedas emergentes.
A equipe do banco ainda cita que o recente anúncio do Federal Reserve (banco central americano) do instrumento de financiamento “Commercial Paper” (CPFF, na sigla em inglês) para apoiar o fluxo de crédito para pessoas e empresas deve reduzir as taxas de juros interbancárias, levando o dólar a se desvalorizar um pouco.
“Porém, enquanto o preço de petróleo estiver sofrendo e também a inflação (ex-EUA) estiver pressionada, enxergamos pouca atratividade nas moedas ex-dólar”, afirmam os analistas apontando que, no Brasil, o dólar pode chegar a R$ 5,50.
O que fez o dólar subir?
Em estudo divulgado na última semana, a MCM utilizou um modelo de depreciação do real explicado a partir de cinco fatores: a variação do DXY, ou Dollar Index (índice que mede o dólar contra uma cesta de moedas); a variação do índice CRB de commodities (CRY), que inclui o petróleo; o índice VIX; a variação da diferença entre o CDS do Brasil e de países emergentes; e o diferencial de juro real entre a NTN-B e o Treasurie americano de 10 anos.
A dinâmica destes fatores, segundo a equipe da consultoria, funciona assim: a alta do Dollar Index, da volatilidade medida pelo VIX e do risco-país ajudam em uma depreciação do real (alta do dólar). Por outro lado, uma alta do preço das commodities e do diferencial de juro real interno e externo favorecem a moeda brasileira, o que pressiona o dólar para baixo.
Confira o resultado do estudo abaixo, em que fatores acima da linha de 0 indicam pressão para alta do dólar e abaixo representam fatores que puxaram o dólar para baixo ante o real:
O gráfico acima mostra que a queda do preço das commodities foi, de longe, o principal fator para a disparada do dólar. Segundo a MCM, mais de 70% da queda do real no ano se deu por isso, sendo que em março esse percentual foi de 77%.
Na sequência fiou a redução do diferencial de juro, responsável por 16% do movimento do câmbio desde janeiro, apesar de não ter tido tanto peso no mês passado (7%). O CDS, por sua vez, ajudou a valorizar o real em janeiro e fevereiro, mas virou e pressionou a moeda em março, sendo responsável por 37% da variação no último mês por conta do aumento da percepção de risco, segundo a MCM.
Por fim, o que eles chamaram de “demais fatores”, que não tiveram tanto peso no início do ano, passaram a ajudar o real em março. “Embora não seja possível saber exatamente o que os compõe, é possível que essa contribuição decorra das intervenções do BC no mercado de câmbio”, afirma a MCM.
Apenas em março, o Banco Central ofertou US$ 26 bilhões ao mercado, entre dólar à vista, leilão de linhas e swap cambial. “Embora tais ações não tenham poder de alterar a tendência da moeda, elas contribuem para o bom funcionamento do mercado de câmbio e, nesse sentido, podem ter contribuído para segurar o real”, explica a consultoria.
Até onde o dólar pode ir
Economistas têm elogiado bastante a postura do Banco Central, atuando de forma pontual no mercado no sentido de dar liquidez, sem querer definir uma faixa para o câmbio, já que isso seria praticamente uma batalha perdida dado o cenário global de volatilidade.
“O câmbio vem sendo monitorado pelo BC que age sem foco na formação do preço, que está à mercê do comportamento do dólar no mercado externo, e não há nada adicionalmente que a autoridade monetária possa fazer neste momento”, avalia Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora.
Ele explica que o dólar está volátil e “fora do ponto” pelo fato de ter excelente liquidez nas operações no mercado internacional, diferente de outras emergentes. Apesar de não ver uma mudança tão cedo na cotação, ele afirma que o preço de equilíbrio da moeda americana hoje seria em torno de R$ 4,50.
O valor coincide com o que avalia os economistas consultado pelo Relatório Focus do Banco Central, que mesmo diante desta crise e da disparada da moeda, apontaram na última semana que o dólar deve terminar este ano em R$ 4,50.
Em linha semelhante, a MCM vê um cenário de fortalecimento do real até o fim do ano, caminho que dependerá principalmente de “ações externas” para estabilizar e reverter a expectativa de recessão profunda na economia global. Tudo isso, levando em conta ainda a necessidade de recuperação das commodities e um ambiente político menos conturbado por aqui.
Já o Credit Suisse, apesar de também elogiar as atuações do BC, mostrou preocupação com a proposta que autoriza o BC a comprar títulos do Tesouro no mercado secundário.
“Estamos pouco confiantes de que os mercados reagiriam de forma benigna a um programa em larga escala de compras de títulos do governo em um país com uma perspectiva fiscal e de crescimento já desafiada”, dizem os analistas em relatório. Por conta disso, o Credit preferiu apostar um postura cautelosa, apontando para chances do dólar chegara R$ 5,50 em breve.
Por fim, o diretor da Wagner Investimentos, José Faria Júnior, cita a expectativa de mais cortes na Selic, evidenciado tanto pela curva de juros futuros e mais recentemente pela revisão da Itaú Asset, que cortou sua projeção de juros de 3,75% para 1,5% este ano.
“Há muitos economistas (eu me incluo) que são contra novos cortes. A consequência imediata dessas apostas é a contínua alta do dólar”, afirma o especialista
Ele afirma que seu modelo até sugere que o dólar pode voltar para R$ 5,00, mas que é possível que a moeda continue subindo por enquanto, sem muito espaço para quedas. No momento, ele aponta um primeiro patamar para compra em R$ 5,20.
“Com o agravamento da crise, com EUA e Brasil entrando em recessão, o dólar tende a ficar mais forte. Caso surjam boas notícias, o dólar irá cair em direção a R$ 5,00 e será muito importante aproveitar a oportunidade (se acontecer) para comprar”, conclui Faria.
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