SÃO PAULO – Dois anúncios de resultados da última semana deixaram claro que a Netflix pode ter saído na frente, mas a disputa pela supremacia do nascente mercado do streaming ainda está longe de ter um vencedor.
Primeiro, o Google ofereceu pela primeira vez uma espiadela nos números do YouTube, algo que até então era mantido em segredo. Depois, a Disney revelou o crescimento espetacular de seu serviço de assinatura Disney+, lançado em novembro passado nos Estados Unidos (os brasileiros devem ter acesso ainda este ano). As duas notícias, mais o iminente lançamento do HBO Max, certamente foram examinadas com atenção em Los Gatos, a sede da Netflix.
Quando o Google adquiriu o YouTube, em outubro de 2006, a startup estava somente começando a fazer sucesso fora do círculo das pessoas ligadas nas últimas novidades. Muita gente ficou perplexa com o valor pago pelo Google: US$ 1,65 bilhão. Hoje, está claro que foi uma das maiores pechinchas da história da internet.
O YouTube gerou US$ 15,1 bilhões em receitas no ano passado. A imensa maioria desse total corresponde a anúncios, e uma parte importante é repassada aos criadores de conteúdo.
Como o Google não discriminava o faturamento do YouTube em seus resultados financeiros, alguns analistas suspeitavam que o negócio fosse ainda maior. De qualquer modo, o YouTube é o terceiro maior negócio de mídia online do mundo, atrás apenas do Facebook (US$ 69,7 bi) e do próprio Google (119,7 bilhões).
YouTube e Netflix têm modelos de negócios muito diferentes. A Netflix investe na produção de séries e filmes próprios, além do licenciamento, e suas receitas vêm das assinaturas. O YouTube depende da programação criada por seus usuários, e as receitas vêm basicamente da publicidade. Mas ambas as empresas concorrem diretamente pela atenção dos consumidores – o dia tem apenas 24 horas, afinal de contas.
Apesar de YouTubers celebridades terem audiências cativas, em geral elas são muito focadas (ao contrário de séries que viram fenômenos culturais, como “Guerra dos Tronos” ou “Stranger Things”). Mas a popularidade desses criadores entre millennials e a geração Y sem dúvida aponta para um novo modelo de consumo de mídia: conteúdos “amadores” cada vez mais dividem espaço com produções profissionais de alta qualidade (e alto custo).
Concorrentes se aproximam
E, quando se fala de qualidade, um dos nomes mais confiáveis de Hollywood é a Disney. Nos primeiros resultados financeiros divulgados desde o lançamento do serviço Disney+, a empresa afirmou que o número de assinantes mais que dobrou nos três primeiros meses de operação.
O Disney+ atingiu 28,6 milhões de usuários pagantes desde a estreia, em novembro passado. E por enquanto o serviço está disponível apenas em cinco países (EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Holanda). O lançamento nos maiores mercados europeus está previsto para o final de março.
“O lançamento do Disney+ foi um enorme sucesso e superou nossas expectativas mais otimistas”, disse o CEO da Disney, Bob Iger, na teleconferência com os analistas de Wall Street. Não é exagero. O Disney+ já é maior que o serviço HBO Now (a assinatura de streaming da HBO, que não inclui quem assina o canal por meio das operadoras de TV paga).
A Netflix, que hoje conta com 167 milhões de assinantes, levou cinco anos para atingir o mesmo número obtido pelo Disney+ em pouco mais de um trimestre.
Um dos motivos para o sucesso imediato da Disney no mundo do streaming é o catálogo. O Disney+ reúne animações clássicas (de “Branca de Neve e os Sete Anões” e “Fantasia” aos recentes “Rei Leão” e “Dumbo”, da era da computação gráfica), todos os universos Marvel e Star Wars e também 30 anos de “Os Simpsons”, sitcom animada que é um dos maiores sucessos da história da televisão.
E o preço agressivo — 7 dólares mensais, contra os 13 do plano mais popular da Netflix — também ajudou, é claro (ainda não foi divulgado o preço da assinatura no Brasil).
Competição
A realidade é que o mercado de streaming está ficando mais cada vez mais concorrido, e a Netflix terá uma tarefa cada vez mais complicada para defender a liderança no mercado que inventou.
Apesar das produções cada vez mais prestigiadas e estreladas – “O Irlandês”, com Robert De Niro e Al Pacino e direção de Martin Scorsese, concorre a 10 Oscars no domingo) –, competidores com história, como a Disney, e com experiência em TV de prestígio, como a HBO, vêm com apetite.
David Einhorn, do fundo de hedge Greenlight Capital, costuma apostar contra empresas na bolsa. Seu alvo da vez? A Netflix. “Estamos pessimistas em relação às perspectivas da Netflix há muito tempo, e usamos o salto da ação no final de 2019 para fazer um investimento mais substancial”, escreveu ele numa carta para seus clientes.
Einhorn menciona os custos crescentes para produzir conteúdo original, além do aumento da concorrência, principalmente nos Estados Unidos. Além do Disney+ e do Amazon Prime Video, a Apple lançou seu serviço de streaming no fim de 2019.
Em abril, a NBCUniversal vai lançar o Peacock; em maio, deve entrar no ar a versão reformulada da HBO por assinatura, batizada de HBO Max. “Nem todo cliente vai assinar todos os serviços”, escreve Einhorn.
Por enquanto, a presença global da Netflix – tanto em alcance geográfico como em produções originais de diversos países, em várias línguas – é imbatível.
Segundo os resultados financeiros mais recentes, a companhia amealhou 8,3 milhões de novos assinantes fora dos Estados Unidos no último trimestre do ano passado. Mas é inevitável que a concorrência também vá atrás do mercado global. Aguarde as cenas do próximo capítulo.
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